Teclas pensadas entre finos e cigarros numa qualquer esplanada.

27/08/2009

Michael e o Sistema Judicial I

Michael Lopes foi assaltado à coisa de 5 meses, mais coisa, menos coisa. Um indivíduo qualquer (chamemos-lhe "X") abeirou-se dele. Escusando-nos a pormenores profundamente desinteressantes respeitando à abordagem e ao modus operandi da coisa, o importante é que um telemóvel até aí da posse de Michael passou a ser pertença de X (mais pormenores neste post).
Tudo ficou resolvido na cabeça de Michael com a substituição do telemóvel subtraído, com a excepção do óbvio trauma.
14h00. Toca o telefone. Foi requerida a presença de Michael na Esquadra de Pombal da PSP. Ao que parece o pobre telemóvel desaparecido, desgostoso por Michael não ter tomado todas as providências e ter ido ao fim do mundo para o encontrar, voltou para o tramar.
Passando a descrever a trama: X assalta mais uma vítima (chamemos-lhe "Zé") na sua caminhada de terror pelo maravilhoso mundo da delinquência. Porém, dotado de testículos bem mais recheados que os de Michael, Zé resiste, corre, luta, e consegue valoroso prémio: a mala/pochette de X (referência para o uso da palavra pochette e ainda para o facto de X, apesar de bandido, usar tal acessório de moda, não pela relevância de tais factos, só mesmo pelo quanto são divertidos). Mas adiante. Na mala/pochette de X, Zé encontra um objecto, a saber, o ex-telemóvel de Michael. Zé apresente queixa. Zé é um indivíduo exigente. Insatisfeito com o troféu que conseguiu, pretende mais. Pretende apanhar não só a mala/pochette de X, quer X numa travessa a gritar misericórdia. Na sequência da investigação promovida pelo CSI à portuguesa, chega-se à conclusão que o telemóvel encontrado está no nome de Michael.
Turn-over na trama! Os investigadores do CSI da PSP suspeitam que X e Michael Lopes são uma e a mesma pessoa. Conclusão fácil de compreeder.
  • A mala/pochette encontrada é de X.
  • O telemóvel amaldiçoado está na mala/pochette.
  • Logo, o telemóvel é de X.

No entanto, a vida real é, infelizmente, muitíssimo mais complexa. Michael é chamado a depôr. Primeiro na qualidade de testemunha. Mas na cabeça do agente que conduz a entrevista (chamemos-lhe desta feita "Agente Marcelo") a situação é clara: à sua frente irá surgir-lhe perigoso fora-da-lei, um indivíduo sem sentimentos, que dedica a sua vida ao crime, entre dois goles de whisky e noites tórridas de sexo com mulheres de seios torneados, atraídas pela adrenalina da vida deste. E depois aparece Michael. A desilusão é óbvia, estampada na cara de Agente Marcelo. Ou os bandidos modernos têm um metro e sessente e pouco, ou esta vai ser uma tarde monótona. A suspeita cai por terra. Ou por X ter 20 e tal processos em aberto, ou por Michael ter imediatamente pedido piedade e ter justificado o brutal assassinato das melgas que povoam a sua morada com o picotado que preenche o seu corpo e lhe provoca uma terrível comichão. Adiante. Gorada a hipótese de brincar aos polícias a sério, com murros na mesa e em Michael numa sala sem janelas, Agente Marcelo começa a preencher o depoimento. Luta por conseguir traduzir em palavras o que o relato mirambolesco que Michael partilha com ele lhe sugere. Terminadas as formalidades, Michael despede-se de Agente Marcelo com um aperto de mão e a certeza de um reencontro com semelhante figura de autoridade em Coimbra, onde o mítico assalto ocorreu.

Michael sai da esquadra. Os seus membros tremem. A sua primeira vez com o sistema judicial foi tão intenso quanto sonhara. É testemunha num Processo-Crime. E ao ritmo a que pula e avança a Justiça do país em que vive, mais capítulos povoarão o futuro de Michael na sequência do já badalado Crime do Avenida na Sá da Bandeira.

Enfim, acontece-me tudo...

18/08/2009

As Máscaras

É difícil definir-se. É fácil a análise forasteira. É difícil vestir a pele que de nós esperam e estar à altura dela, seja ela qual for. Todos nos disfarçamos. Ninguém é genuíno. O disfarce que vestimos é um fardo. Torna-se aquilo que somos sem nunca o sermos. E nunca mais pode ser despido. Todos os dias o vestimos e tentamos torná-lo o mais perfeito possível. Espera-se de nós que ele seja cada vez mais trabalhado. Mas porquê? Seria tão mais fácil podermos ser nós mesmos, sem máscaras, sem nada. Mas será possível? A vida é um reles truque de ilusionismo. Tentamos ser todos mais bonitos e correctos que realmente somos. Mas qualquer ilusão só existe até se desvendar o seu segredo. E com o tempo a ilusão cai. Todos caímos. Todos temos fraquezas e elas acabam sempre se mostrar. Basta olhar com atenção. E perdemos o mistério. Qualquer piada só tem relamente graça uma vez. Quanto mais recorrente, mais gasta. E a cada dia nos gastamos. Aos nossos olhos, que são sempre os que mais abarcam, e inevitavelmente aos dos outros. Perdemos o encanto do primeiro dia, tornamo-nos repetitivos e vulgares. Tornamo-nos previsíveis e perdemos o encanto. O nosso nome passa a ser mais um e não o nome. Tentamos tornar-nos únicos e passamos a vida a sublinhar que somos irrepetíveis. Mas a verdade é que somos todos iguais. Inventamos línguas, credos e regras para nos diferenciarmos quando na verdade, despidos de tudo, nada nos distingue. Fazemos as mesmas coisas. Somos rotineiros. Tirando todas as máscaras todos somos iguais. O rico come, o belo bebe. O pobre e o feio idem. Da mesma forma ridícula, seja com as mãos ou com talheres de prata. Da boca para a frente o caminho é o mesmo e nos dois acaba em merda. Inventamos palavras para nos afastarmos e sermos o mais exclusivos possíveis. O rico tem uma mansão, o pobre uma barraca. Mas em última instância, ambas servem o mesmo prepósito. Todos morremos e acabamos comidos pela terra. Com a mesma dignidade (ou falta dela). Duvido que os bichos tenham o cuidado de saborear melhor a carne do geneticamente abençoado do que a do fisicamente repugnante. Não sabendo muito bem como acabar o que sabe-se lá como começou, talvez um ponto final sirva.