Teclas pensadas entre finos e cigarros numa qualquer esplanada.

31/05/2009

Sinto Muito

Li Sinto Muito, de Nuno Lobo Antunes, nascido e criado no seio de uma das mais brilhantes famílias portuguesas. Nuno Lobo Antunes é médico, Neuro-Oncologista Pediátrico, e lida com a morte diariamente. Lida com a morte, mas na sua forma mais cruel. A morte precoce, a morte antes do tempo. A morte quando ainda não era suposto. Quando ainda havia muito para ver, sentir, viver, experienciar. A perspectiva que Nuno Lobo Antunes nos proporciona não é a perspectiva do médico que debita casos interessantes com que se deparou nos vários anos de exercício. Ao invés, mostra-nos o lado mais humano da Medicina, o lado mais nobre. O sofrer com cada caso. Cada paciente deixar de ser o simples número na sua ficha e passar a ser o João, o Mário, a Maria, a Joana, pessoas que passam a ser família. Diga-se de passagem que o bom médico, aquele que é atento e preocupado, que se envolve sentimental e inevitavelmente com o sucesso dos seus doentes acaba por passar mais tempo com eles do que com a própria família, muitas vezes. Nestas condições, a ligação emocional é óbvia e salutar. Somos bichos sociais, como sempre ouvi dizer. E haverá forma mais nobre de o ser, senão quando o semelhante mais necessidade tem de um ombro, uma palavra, um sorriso? Creio que não.
Como relata António Damásio, que prefaciou o livro, as palavras escolhidas por Nuno Lobo Antunes, Sinto Muito, são profundamente diferentes de um simples Lamento. Sinto Muito. Sinto. Sinto dentro de mim. Por mais que ande, tente esquecer, sinto, e não o consigo evitar. Mas para além de sentir, sinto muito. Sinto muito a tua ausência depois de tantos dias, meses a acompanhar a tua luta. Que merecias vencer, por tudo o que superaste.
É este tipo de sentimento que desperta a leitura, conseguindo compreender a angústia do médico vocacionado para a ajuda ao próximo, a dor provocada na perda, sentida com tanta intensidade como se uma parte de nós morresse. E depois a pedagogia. Como tornar a dor o mais suportável possível, como lidar com ela, como olhar em frente, mas com o peito gravado por todos aqueles que inevitavelmente conosco permanecem. Deixo um excerto abaixo e recomendo a leitura. Principalmente a presentes e futuros médicos. Sem dúvida, uma lição.
"Lembro-me bem do dia em que nos vimos. Terminara a adolescência, puzzle acabado de fazer, pintura de bocadinhos perfeitos, encaixados uns nos outros. Olhar sem sombras, sorriso sem ironias. Não vinhas sozinha, claro. Como princesa, uma corte de família, adorada pelos adultos, que em ti viam reflectida a imagem da graça. Sempre achei que te anunciavam aqueles tubinhos chineses, que tilintam, com as brisas, com o fresco.
E no entanto, fui obrigado a conversas sérias. Falar de cancros, do cérebro, suas manias e hábitos. Escrevi para a Universidade para garantir descontos. Assegurar a professores que o teu coração valia vinte. Que desculpassem falhas e faltas, que aquela menina estava doente.
Portaste-te bem nos primeiros tempos. O tumor retirou-se envergonhado, que não tinha sido convidado. Mas ficou à espreita, o pirata. E tu distraíste-te filha. Não nos podemos distrair. E surgiu de novo o malandro, fazendo pirraças, dedos em leque na ponta do nariz. E avançou mais um pouco. Instalou-se na tua sala de visitas, bebeu copos, fumou charutos, tomou conta. Invadiu. Juro que não lhe dei licença. Gritei: «fora, fora», enxotei-o com toda a força. O vadio riu-se de mim, fez-me manguitos, mostrou os dentes.
Há coisas que se não fazem a quem tem vinte anos. (...) Gostava tanto de ti. E ofereci-te dois venenos. Jurei que com mezinhas viverias mais dois anos, e depois dirias adeus às praias, aos teus cães, aos namorados. A alternativa, assegurei, era o transplante. Tratamento arriscado, envenenamentos sucessivos com peçonhas e sucos. (...)
Foste pensar. (...) Disseste que sim. Que eras criança, e que do teu lado estariam fadas e duendes, cavaleiros andantes de armaduras reluzentes. (...)
Foste-te embora à deriva. (...)
Chorei tanto, Jennifer, tanto. Olha, chorei tanto que os teus pais tiveram pena de mim. Verdade! Pegaram-me no braço, beijaram-me na face. E eu, minha querida, perdido. Perdido de dor e de remorso. E de saudade. Não sei se sabes o que é um poço. Um poço é o inferno, o lado de lá da vida. O escuro, a falta de ar. Preciso de sol para gostar da vida. Os teus pais, coitados, puxavam-me para cima e apanhavam bocados de mim, espalhados pelas pedras da igreja."
E sente-se cada lágrima derramada pelo autor. Mais uma vez, uma lição.

29/05/2009

O "Caso Alexandra"

Depois de ver nas várias agências noticiosas nacionais peças sobre este caso fiquei em dois estados adjectivamente qualificáveis: destroçado e curioso. Destroçado, por ver a pobre Alexandra, de 6 anos, note-se, a ser arrancada à única família digna desse nome que alguma vez tinha conhecido, num degradante espectáculo mediático (degradante, mas que não deve ser censurado, digo eu). Por outro lado, e como referi, a minha curiosidade foi desperta, no sentido de acompanhar os desenvolvimentos. Depois do chamado Caso Esmeralda, pensei que se tivesse despertado uma maior consciência, por um lado, social (com a coisa das 200.000 assinaturas entregues no parlamento pela Dra. Maria Barroso), por outro, jurídica (se é que se pode a expressão consciência jurídica, mas como qualquer leigo, dou-me ao luxo de inventar). Se a primeira consciência acredito que tenha florescido entre nós, penso que a segunda continua de mãos atadas por uma Legislação que não permite decisões menos punitivas para os únicos inocentes, as crianças, exilando-as, em dias de festa, na Rússia. Contudo, continuo a ser um leigo a mandar bitaites sobre Legislação.

Mas o que realmente me traz a este convívio é uma simples frase proferida num debate subordinado ao mesmíssimo tema que este breve texto, que vi na sequência do espicaçar da minha curiosidade.

Na passada quinta-feira, após o Jornal da Noite da SIC, atentei ao programa Aqui e Agora, que como sabem, consta de um debate sobre temas da actualidade, moderado por Rodrigo Guedes de Carvalho. Para além dos pais afectivos da criança, estavam presentes no estúdio o advogado Rogério Alves, o psicólogo Eduardo Sá, a Presidente do Instituto de Apoio à Criança, Manuela Ramalho Eanes e o Presidente do Instituto da Segurança Social, Edmundo Martinho. E foi este o dono da preciosidade que relato.

Justificando o acima referido degradante espectáculo mediático, aquando da entrega da Alexandra à mãe biológica - estando esta literalmente aos gritos e a chamar pelo pai afectivo - o Dr. Edmundo Martinho disse o seguinte:

"Eu tenho que dizer alguma coisa, porque obviamente as imagens que vimos no início são imagens que nos chocam a todos, mas as imagens que vimos corresponderam a uma situação que não correspondeu àquilo que estava acordado. O acordo que estava feito entre os advogados de ambas as partes - o advogado do lado da mãe da criança e o advogado da Sra. Dona Florinda e do Sr. João Pinheiro - era que fariam a entrega entre ambos às 8h30 da manhã. Para evitar toda esta perturbação que se gerou."

E eu concluo que este senhor é apologista de que o que os olhos não vêem, o coração não sente. Entregava-se a criança de manhãzinha, com toda a gente ainda a dormir, porque se ninguém visse, ninguém levantava a voz. Escandaloso, digo eu! Lembrou-me um pouco o Provedor da Casa Pia, Luís Rebelo, à data do escândalo, referindo que se existia em centenas de profissionais apenas um pedófilo, não seria relevante em termos estatísticos. Enfim.

P.S. (1): Nota humorística para o facto de o Sr. João Pinheiro, pai afectivo da pequenina, ainda viver uns bons anos atrás, a julgar pelos seus conhecimentos de Geografia, tendo referido no mesmo espaço televisivo, e cito, "(...) e vou-te espetar lá pr'á União Soviética e depois eles que se entendam!".

P.S. (2): Para quem perdeu ou quiser rever o debate, ele encontra-se aqui.

23/05/2009

Viagens IV

Lisboa

O que Lisboa ganha em História, perde em delinquência. Sublinho a pena que é disfrutar de uma esplanada mergulhada na vista sobre o Tejo e Cristo-Rei (uma das mais belas vistas que já vi), a escassos metros de um banco ocupado por jovens na 'má-vida', ruelas pintadas simultaneamente com a História de centenas de anos e com a tinta de latas de spray. Apesar disso, uma cidade muito bonita e a revisitar.


Beyoncé

De longe a melhor parte da viagem (pelo menos em termos estéticos)!


Bairro Alto

Depois de tanto ouvir falar, a minha conclusão é que são necessárias várias visitas para conhecer efectivamente a noite que aí se vive, uma vez que uma é insuficiente. Esta última frase será válida não só para o Bairro, mas para o resto da cidade.

17/05/2009

O Maravilhoso Mundo da Objectofilia

"De modo algum somos meros fetichistas", insiste Joachim A., e explica imediatamente a diferença: "Para algumas pessoas, seu carro torna-se um fetiche que elas usam para se colocar em destaque. Para o objectum-sexual, por outro lado, o carro em si - e nada mais - é o parceiro sexual desejado, e todas as fantasias sexuais e emoções se concentram nele". Hoje com 41 anos, ele diz que reconheceu e aceitou sua inclinação quando tinha apenas 12. Foi então que mergulhou "num relacionamento emocional e fisicamente muito complexo e profundo, que durou anos". Seu parceiro na época era um órgão Hammond. Agora tem um relacionamento firme com uma locomotiva a vapor, há vários anos. Como ele é excitado sexualmente pelos mecanismos internos dos objectos, empregos como técnico levaram-no muitas vezes à infidelidade."
E aqui está uma temática revestida de capital importância na minha óptica. Mas do que visitar monumentos, há que vivenciá-los, no sentido mais profundo - literalmente - da palavra. E não brinquemos: a humanidade e as pessoas são claramente sobrevalorizadas. Eu nunca vi a Torre Eiffel a partir o coração a quem quer que seja, ou o Empire State Building a virar-se para o respectivo e dizer que precisava de um tempo... Não me parece que uma frase do tipo "Gosto de ti, mas como amigo" possa sair da "boca" da locomotiva a vapor que faz feliz Joachim A. Neste sentido, as relações entre objectófilos e os seus respectivos cônjuges (já que alguns casaram e adoptaram os nomes de monumentos e afins) parecem-me apontadas a um inevitável sucesso. Creio que aqui está um caso a ponderar... Até porque aqueles semáforos ao pé do Cartola deixam-me num estado, upa upa!

10/05/2009

Tudo Normal

Amanhã começam as aulas outras vez depois da interrupção da Queima, dá o 'Prós E Contras' e o F.C.Porto acorda com mais um título na algibeira. Com um bocado de sorte o Benfica despede o Quique, e a vida cá em Portugal começa-se a tornar demasiado monótona... Tenho que emigrar!

09/05/2009

Balada da Despedida do 6º Ano Médico

Canto noite fora, alma dentro;
Sinto que a Coimbra me entrego;

Tempos d’oiro, leva-os o vento;
Minha mágoa, o Mondego.

Eis que chega a hora de partir;
Hora derradeira do adeus;
Levo na memória;
Risos, prantos, histórias;
Coisas que não esqueço;
Peço só poder voltar...

Choro este sonho que se acaba;
Sonho de que acordo, triste fado;
Dos meus ombros solta-se a capa;
Dos meus olhos, a saudade...